Da Bauhaus para... a House: "Eu estou tentando mostrar minha idéia de como será a vida no século vinte e um. A tecnologia vai moldar a maneira como pensamos. Por exemplo, à medida que as coisas ficam mais caras, o espaço se torna uma coisa rarefeita. Posso ver isso já acontecendo em Londres. Logo, a tecnologia vai criar espaços de outras formas. Espaços virtuais. Espaços sonoros." O tecno de Detroit é arquitetura. É por isso que não há progressão narrativa, mudanças de acordes, desdobramentos temáticos, nem contraponto. Espaços sonoros, não som viajando através do tempo. "Tão poucas pessoas entendem isso", diz Mills, falando em minimalismo, "Como só deixar a coisa tocar..." Os carros e edifícios se desmaterializaram em resposta à tração do futuro. "Nós estamos quase fora da fase do territorial", diz Mills. Detroit, a primeira cidade portátil. Seus habitantes a virtualizaram muito tempo atrás. "Isto é o que muitas pessoas costumavam fazer em Detroit. Nós poderíamos criar uma canção só para a ambiência, só para o local onde você mora, e deixá-la rolar por todo o dia. Esta não é a música que você vai eventualmente colocar num DAT e vender. É música habitável." Evolução da Máquina: É perceptível, quando se escuta Mills, que apesar dele pensar sua música em termos concretos (cordas "se liquefazem no corpo" como "ao ligar um aquecedor"), o som frequentemente parece ser só sinal para ele, só um veículo para a mensagem. Então tem essa mensagem um conteúdo? O inovador selo de Detroit Underground Resistance (UR), que Mills fundou com Mike Banks, costumava emplastrar suas capas com linguagem tipo-manifesto, preparando seu público para alguma indefinida revolução sônica. Logo eu quis saber se "a mensagem" é política. "Oh, não", diz Mills. "É abstrata. É o que você está tentando dizer." Bem, isso me esclareceu. Mills é totalmente inacessível sobre conteúdo ou inspiração para os sons de seus álbuns. Não parece haver uma clara agenda estética ou social. Mas ele tem alguns princípios organizativos pouco usuais. "Eu penso num conceito e provavelmente o ponho em algum tipo de escala de cor," ele me conta em certo momento. "Preciso de uma sensação muito clara com algum tanto de drama, então talvez eu pegue verde. Em minha mente tenho esta idéia de como soa o verde. Verde é as frequências que são mais baixas, não subsônicas, mas de médio alcance." Então ele confusamente glosa isso dizendo "é como se você pegasse um teclado e começasse do branco e fosse por todo o caminho até o negro." A maior parte das vezes Mills fala de si mesmo como o originador da mensagem, usando o usual e romântico vocabulário do artista, do criador. Mas ele é um criador com uma relação peculiar com seus instrumentos. "Geralmente eu dou início numa sequência e então deixo ela tocar. Eu saio e deixo-a tocando por cerca de vinte e quatro horas. As máquinas flutuam. Com o passar do tempo a sequência muda ligeiramente. As máquinas moldam a si mesmas, dando seu próprio caráter a uma faixa. Nós fizemos muito disso com o UR. Algumas vezes nós deixamos o som rolar por vários dias. Ele evoluia para um estado muito fixo. "O tecno, obviamente, é música da e sobre a tecnologia." Os produtores estão familiarizados com seu kit de estúdio e o imaginário de cabine de vôos, painéis de controle e instrumentação ("e agora...Eu aperto esse switch"), que tem desde sempre temperado samplers e títulos de canções, sinalizando sua afinidade com tecnicistas de outros tipos. Detroit, como o lugar imaginário onde uma velha geração de máquinas industriais está dando lugar a máquinas de informação, fluxos se acelerando e desmaterializando, é onde relações humanas com a tecnologia estão sendo reconfiguradas. Jeff Mills sai para o cinema e deixa as máquinas evoluirem sua sequência no estúdio, e ao fazê-lo assim faz o comentário talvez mais eloquente que nós temos de uma mudança cultural em todos os tipos de produção, artística e de outro tipo. É uma tensão que tem sido há muito tempo sentida na música pop, bem expressa no slogan mal intensionado de camiseta de garotada indie de alguns anos atrás: 'os escrotos sem cara do tecno.' (Por todo lugar outras camisetas respondiam "foda-se o Britpop "). Nestes dias o ídolo de rock, Liam Oásis da Vida, em cada polegada o artista tradicional, solitário e romanticamente sofrendo no palco, está em combate mortal com alguma coisa distribuída, cambiante (Mills é x102, UR, Axis...) e não de todo humana. Algumas vezes Mills se auto denomina ' Criador de propósitos' e o ouvinte encontra a seguinte afirmação (não-assinada) numa capa: "só a consciência de um propósito que é maior que qualquer homem pode semear e fortificar as almas dos homens." É muito fácil identificar o criador de propósitos como o artista e o poder como Deus. Em Detroit o poder que é maior que o homem, que está semeando e fertilizando sua alma, é inorgânico, sem nome, baseado em silício. Medo " Algumas vezes quando eu penso em um ritmo", diz Mills, "eu penso numa máquina que está - caminhando em algum lugar, algum tipo de movimento, e eu tento vividamente criar esse tipo de progressão melódica." Tanques robôs, linhas de montagem, colonizando a imaginação, articuladas como vias permanentes de batidas pesadas bombando os corpos do público dançante. Quem origina esse ritmo? Nós ou eles? Reconstitua o processo de volta. Quem veio primeiro? Artista ou máquina? A idéia da máquina na mente do artista? O que pôs a idéia ali? Eterno retorno... O tecno de Detroit é também música assustadora, assustadora precisamente por que sua implacável repetição nos lembra de nossa imersão em sistemas mecanizados, computadorizados. Detroit fetichiza esta relação: tome drogas, conecte seu corpo ao ritmo das máquinas - não é nada diferente do que você faz no escritório todo dia. Talvez você se sinta como um rato de laboratório pressionando uma alavanca por doses de endorfinas. Ao menos às três da manhã num galpão (warehouse, pra raves) quando embarca numa outra pastilha, você sabe que é um honesto rato de laboratório.